A culpa não é da internet

Problemas modernos não são responsabilidade da tecnologia, mas do mau uso que fazemos dela
 
Gonçalo Viana
 
São várias as queixas: estaríamos ficando superficiais, desatentos, desmemoriados, desinteressados. De quem é a culpa? Dizem que da internet, do mundo moderno, das novas tecnologias, disso tudo junto. Segundo algumas teses publicadas em livro e rapidamente alardeadas pelos jornalistas, falta de atenção é consequência de janelas demais piscando no monitor, a abundância de informação é um convite à superficialidade, falta de memória é o “efeito Google”, falta de tempo é culpa de e-mails demais por responder. Para eles, nosso cérebro é vítima das circunstâncias modernas.

Eu discordo veementemente. Não vejo problema no que o mundo moderno faz com nosso cérebro – pelo contrário, só vejo coisas boas na facilidade de acesso a notícias, na facilidade de contato com amigos e parentes distantes, na profundidade de informação que hoje podemos obter. Para mim, o problema está em nós mesmos: em como nos deixamos sucumbir a tentações e imposições que nos são apresentadas através das novas tecnologias.

Para começar, não vejo como “a internet” poderia reduzir nosso tempo de atenção sustentada e tornar nosso conhecimento superficial. É preciso muita atenção focada para passar horas ininterruptas em frente a videogames, e sites de busca, Wikipédia e jornais internacionais acessíveis às pontas dos seus dedos permitem a qualquer um se tornar um profundo conhecedor de política internacional ou biologia das fossas abissais sem sair de casa. Aprofundar-se ou surfar superficialmente é uma questão do uso que se escolhe fazer de um mundo inteiro agora navegável.

O mesmo se aplica à memória. A tecnologia nos permite terceirizar facilmente nossa memória, delegando-a à agenda do celular, que guarda nossos contatos, endereços e compromissos, e à memória coletiva da Wikipédia e tantos outros sites acessíveis via internet. Quem de fato ainda tenta memorizar números de telefone?

O problema é que, sem tentar, não há como memorizar o que quer que seja – e, sem exigir da sua memória, não há como mantê-la tinindo. A memória não depende de simples exposição à informação, e sim do processamento ativo dela, que precisa receber atenção, ser associada a outras informações, e ainda ser considerada importante pelo cérebro. Se não for importante, não entra para a memória. Portanto, não há como se lembrar de um número de telefone que você apenas o digitou em seu celular!

Também não é verdade que a internet nos deixe desatentos ao fornecer “informação demais”. Nossa atenção já é limitada – e pelo próprio cérebro: só conseguimos nos concentrar em uma coisa de cada vez. Por causa dessa limitação, sempre há mais informação disponível do que conseguimos processar – e isso não é culpa da internet. Por outro lado, conhecendo essa limitação, quem tem problemas para se manter focado pode se ajudar reduzindo o número de tarefas disputando sua atenção a cada instante, por exemplo, reduzindo o número de janelas abertas em seu computador.

O mesmo vale para o e-mail, que acelerou a velocidade das trocas por escrito – e, ao contrário das predições catastróficas da época em que surgiu, hoje nos faz escrever mais do que anteriormente. Recebemos e-mails às dúzias por dia, muitos deles nos cobrando respostas imediatas. E aqui está mais um mau uso da tecnologia, culpa nossa: poder responder imediatamente a e-mails não significa ter de fazê-lo na hora, encorajando a cobrança alheia. Nossos problemas modernos não são culpa da tecnologia, mas do (mau) uso que fazemos dela.
 

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