Conhecendo nossos sentimentos


No artigo anterior desta coluna, eu descrevi como ensinamos as crianças a se autoconhecerem, explicando que, à medida que elas aprendem a falar, são expostas a situações em que os adultos ensinam a elas a nomear o que estão sentindo (os estados internos) e a descrever as circunstâncias (os eventos externos) que geram ou estão relacionadas com as sensações e os sentimentos. Na descrição que fiz, considerei exemplos em que o adulto infere o estado interno da criança a partir de eventos externos e de comportamentos correlacionados com as emoções e as sensações, e as nomeia de acordo com as práticas verbais da comunidade em que eles vivem.
 
Vamos recordar um dos exemplos que descrevi naquele texto. A porta bate com força e a criança que ficou presa no quarto chora “desesperadamente”. Em seguida:
 
1) a mãe vem acudi-la e, ao falar, descreve a situação – “A porta bateu e você ficou presa no quarto, filhinha?”;
2) a mãepergunta o que a criança está sentindo, dizendo o que ela acha que a criança está sentindo – “Você ficou com medo?”;
3) a criança tem a oportunidade de observar o seu estado interno e de correlacioná-lo com os eventos externos vivenciados, como, no caso, o ruído intenso do bater da porta e o de ficar isolada;
4) no futuro, a criança será, então, capaz de dizer o que sente quando, em situações semelhantes, tiver as mesmas sensações.

Uma outra forma de ensinar a identificar e a nomear as sensações e os sentimentos pode  ocorrer em circunstâncias nas quais não temos dicas do que aconteceu, mas inferimos o que a criança está sentindo, a partir de comportamentos colaterais manifestos, que acompanham os estados internos. Por exemplo, perguntando-lhe se ela está triste, quando a vemos quietinha em um canto, não querendo participar de brincadeiras, seus olhos estão lacrimejantes e ela não sorri. Quando isto é feito, a criança tem a oportunidade de correlacionar o que está sentindo, com a palavra tristeza, aprendendo, assim, a reconhecer e nomear sua tristeza.
 
Uma terceira forma de aprendermos a identificar as nossas sensações e emoções pode ser, por exemplo, por analogia. A coincidência entre propriedades (características) das nossas sensações e propriedades de eventos externos pode nos levar a nomear as sensações com base na similaridade entre eles. Por exemplo, quando dizemos “paixão ardente”, “explosão de raiva”, “idéia luminosa”, "depressão”, “inclinação”, “agitação”, etc, estamos descrevendo nossas sensações e sentimentos por analogia a outras experiências. Para ser capaz de fazer analogias, a criança deve possuir um

repertório verbal bem desenvolvido e ser capaz de reconhecer e identificar, ela mesma, a semelhança entre os seus estados internos e os eventos externos. Portanto, isto só é possível quando ela já tiver aprendido a falar.
 
Mario Prata escreveu uma crônica que considero muito apropriada e espirituosa para ilustrar o que estou tentando explicar sobre fazer analogias. Assim, passo a reproduzi-la.


Definições
Saudade 
é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.

Lembrança
é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Angústia
é um nó muito apertado bem no meio do sossego.

Preocupação
é uma cola que não deixa o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento.

Indecisão
é quando você sabe muito bem o que quer, mas acha que devia querer outra coisa.

Certeza
é quando a idéia cansa de procurar e pára.

Intuição
é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.

Pressentimento
é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.

Vergonha
é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.

Ansiedade
é quando sempre faltam muitos minutos para o que quer que seja.

Interesse
é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento
é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.

Raiva
é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.

Tristeza
é uma mão gigante que aperta seu coração.

Felicidade
é um agora que não tem pressa nenhuma.

Amizade
é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.

Culpa
é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.

Lucidez
é um acesso de loucura ao contrário.

Razão
é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.

Vontade
é um desejo que cisma que você é a casa dele.

Paixão
é quando apesar da palavra “perigo” o desejo chega e entra.
Amor
é quando a paixão não tem outro compromisso marcado.

Não... Amor é um exagero... também não.
Um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
 
Talvez porque não tenha sentido, talvez porque não tenha explicação,
 
Esse negócio de amor, não sei explicar.
 
(Autor: Mário Prata)

Diante do que Mário Prata escreveu, será que podemos dizer que nós seres humanos temos consciência de nós mesmos e do que é amor?
Professora da Universidade Estadual de Londrina
Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo

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