O primeiro efeito observado é o resultado imediato: o comportamento inadequado (aquele que é contrário ao que é socialmente aceito ou que traz risco a quem o executa ou a outras pessoas) é prontamente suprimido. Por exemplo, quando um pai surra uma criança por esta bater em seu irmão, é possível que a criança não tente fazê-lo novamente. É um efeito que acaba fortalecendo o comportamento do agente punidor, pela sua própria eficácia. No entanto, o comportamento inadequado pode reduzir a frequência inicialmente, mas pode voltar a ocorrer. Vejamos.
Ao ter seu comportamento punido, a pessoa aprende que não deve se comportar daquela maneira, pois assim teria punição, pelo menos diante daquele que puniu. Aproveitando o exemplo supracitado, a criança pode não brigar com o irmão na presença do pai (para evitar a punição), o que não quer dizer que deixará de bater diante de outra pessoa ou mesmo sozinho com o irmão. O que a população comumente defende ser a mais efetiva prática educativa, na verdade ocasiona uma operação de esquiva das consequências aversivas, tão somente, e não uma aprendizagem quanto ao modo certo de se comportar. Ainda no exemplo, a criança não aprenderá a ter comportamento amistoso, colaborativo, empático e amoroso com o irmão, pois isso não foi desenvolvido com o tapa recebido.
Assim, outro efeito que pode ser observado na punição corporal é que, por não aprender a se comportar de modo adequado, a pessoa pode buscar outras maneiras de fazer exatamente o mesmo, sem ser descoberta. É o caso de uma adolescente que está namorando precocemente. Ao receber punições, ela pode tanto deixar de namorar, quanto também pode mudar o horário das conversas ao telefone, mentir que rompeu o relacionamento, fugir de casa para encontrar o amante, ou mesmo não ouvir nenhuma orientação dos pais quanto a isso. Observe que, apesar da punição, ela continua tendo acesso a algo prazeroso, que é o namoro. É como se fosse um “estágio” que, embora sofrido, tende a passar e logo ela encontra algo reforçador que a fará “esquecer” da dor.
Na punição física, também se observa efeitos ligados às emoções de quem a recebe. A criança ou adolescente pode ter raiva do agressor, sobretudo quando ela não sabe a razão da agressão. Nesses momentos, ela pode usar-se de estratégias para ferir moralmente ou emocionalmente quem puniu, como por exemplo desafiar a bater mais forte ou mais vezes, ou dizer que não está doendo. Nem é preciso dizer que a raiva na relação entre ambos prejudica o clima familiar e a afetividade.
É comum observar que o jovem que tem seu comportamento punido obedece e respeita o pai punidor. Na verdade, complementando o que fora dito anteriormente, o que existe é o medo do agressor, que se tornou aversivo. Muitas vezes, no raciocínio da criança, estar diante dele pode sinalizar uma punição iminente, e o melhor é afastar-se (fugir) para evitar problemas futuros.
Caso as punições sejam inconsistentes, frequentes e que dependem do humor dos pais, o jovem pode desenvolver um quadro de desamparo aprendido, que se assemelha à depressão. Esse quadro se instala devido ao jovem não entender porque está sendo punido, nem por saber o que pode fazer de correto para evitar as consequências aversivas inesperadas.
A partir do momento em que pais associam amor à dor, como ao dizer “eu te bato porque quero seu bem”, a criança aprende que quem ama pode machucar, o que pode trazer disfunções em outros relacionamentos futuros (como submissão a violência conjugal, por exemplo). Excessos de punições corporais também apresentam o risco de a criança desenvolver em longo prazo comportamentos antissociais, como mentir, enganar, provocar e também reproduzir a agressão com outras pessoas.
Uma última consequência é a baixa autoestima: os excessos de eventos físicos aversivos podem produzir culpa, vergonha, crenças de baixa valia e de que seus comportamentos nunca são bons o suficiente para seus pais, o que repercute negativamente no autoconceito e em como a pessoa se apresenta socialmente.
Cabe agora um destaque para as diferenças descritivas entre palmada e surra, visto que muitos pais buscam defender que não batem nos filhos, mas apenas empregam uma “palmadinha”. Aqui vem uma provocação: qual é o limite entre a palmada e a surra?
Em um levantamento bibliográfico realizado em 2005 [3] constatou-se que os preditores da punição física são: irritação, raiva, estresse, mau humor, doença e infelicidade dos pais, dentre outros fatores. Dessa forma, percebe-se que ao punirem fisicamente seus filhos, os pais estão emocionalmente alterados. Então, o limite de uma modalidade para a outra é a força física, inversamente proporcional ao autocontrole e diretamente proporcional ao humor dos pais. Assim, é mais provável que haja uma palmada em infrações leves ou diante de um autocontrole maior da força e das emoções e uma surra diante de infrações mais graves, quando os pais estão de mau humor e quando não dosam o controle do castigo físico.
Quando os pais descontam nos filhos suas irritações, encontram uma maneira de extravasar suas emoções, ao passo em que verifica que o comportamento inadequado reduziu imediatamente de frequência. Muitas vezes, é para obterem alívio da raiva que pais adotam a punição física. Dessa forma, a punição corporal abandona o aspecto educativo e já se aproxima de agressão por envolver déficit no autocontrole dos pais.
Além disso, observa-se o limite tênue entre palmada e surra também quando há uso frequente dessa prática. Por exemplo, se uma criança se comporta de forma inadequada e recebe um castigo físico a cada reincidência, ela pode habituar-se diante dessa prática, de modo que não faz mais o mesmo efeito, ou seja, não suprime a frequência.
Por esse “costume” diante da punição, o familiar pode utilizar uma intensidade maior da força ou mesmo um tempo maior de punição física, o que, então, caracterizaria um nível mais profundo do castigo. Dessa forma, há uma progressão entre palmada, surra e espancamento de acordo com a ineficácia do método, que muitos pais só percebem quando de fato constatam os danos na criança.
Outro fato a ser observado é a força empregada na punição física e o crescimento infantil. À proporção do desenvolvimento infantil, maiores são as forças físicas empregadas. Como é possível, então, delimitar o que seria uma agressão em um adolescente, por exemplo?
Portanto, a palmada é a parte inicial de uma escala progressiva para a agressão. Os princípios são os mesmos de um espancamento, que é o uso da força e da coerção para intimidar uma pessoa. É difícil delimitar onde termina um e quando começa outro. É fato que educar filhos não é uma tarefa fácil: ela é contínua, para a vida toda, requer investimento, observação, conhecimento, flexibilidade, criatividade e muitas outras habilidades. Realmente, modelar um comportamento adequado é mais trabalhoso, é muito cômodo aplicar uma punição física: é fácil, rápida e tem efeito breve. Porém, como foi descrito, trazem alguns efeitos indesejáveis e, além disso, podem ser substituídas por outras medidas menos danosas.
Quando o projeto de lei proíbe a palmada, está indo de encontro a pais que aprenderam na sua experiência de vida que esta é uma alternativa válida, coesa com seus valores e crenças. De fato, com a proibição vem o sentimento de incompreensão, revolta e desamparo quanto ao que fazer. O projeto vem fazer o papel punitivo tal qual a palmada: não ensina a melhor maneira de educar os filhos, mas apenas normatiza a regra.
O objetivo deste texto foi apenas descrever o outro lado das punições normativas, provocando uma reflexão diante dos pontos abordados. Não se pretendeu aqui apenas iniciar a discussão sem realizar uma orientação mais pormenorizada. No entanto, as alternativas no manejo de comportamentos inadequados serão abordadas na próxima oportunidade.
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[1] A título de curiosidade, na Bíblia Sagrada, Pv 23, 13-14, tem-se: “Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá; castigando-o com a vara salvarás sua vida da morada dos mortos”. Um provérbio russo diz: “Ama as crianças com o coração, mas educa-as com tua mão” e um provérbio grego estabelece que “Quem não foi bem castigado com a vara, não foi bem educado”.
[2] O Projeto de Lei da autoria da Deputada Federal do PT Maria do Rosário foi proposta em 2003 e recentemente foi aprovada pela Câmara dos Deputados, faltando apenas a aprovação do Senado e da Presidente.
[3] Brandenburg, O.J.; Weber, L.N.D. (2005). Revisão de literatura da punição corporal. Interação em psicologia, v.9, n.1, p.91-102.
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