Comportamento infrator: fatores de risco e de proteção

 
Hoje em dia, ser jovem implica assumir muitos riscos. Um deles diz respeito à luta pela própria vida. Segundo o Mapa da Violência de 2012 [1], as chances de uma criança ou adolescente brasileiro morrer assassinado são maiores atualmente do que eram há 30 anos, fator que rende ao país a quarta pior colocação mundial em violência contra o jovem. Assim, o prazo de validade da juventude, que poderia ser estendido à fase adulta, é reduzido em virtude de comportamentos antissociais e da violência infanto juvenil. Embora a justiça tenha a missão de lidar com as práticas infracionais juvenis, ainda cabe à família delinear práticas educativas que possam inibir comportamentos antissociais e desenvolver o comportamento moral.
 
Segundo pesquisadores, demonstrações de comportamento antissocial podem acontecer desde os dois anos de idade, quando as crianças são consideradas de temperamento difícil ou forte, com tendência a destruir objetos e agredir seus cuidadores. Pesquisas apontam que este padrão de comportamento desobediente, impulsivo, socialmente inadequado e impaciente tende para o estabelecimento do chamado Transtorno Desafiador de Oposição. Caso este seja persistente, facilita-se a exclusão do grupo de pares quando adolescente, que é um dos critérios diagnósticos para o transtorno de conduta na adolescência e antissocial na vida adulta.
 
No tocante à questão familiar, o infrator é oriundo de ambientes altamente coercitivos, nos quais são constantes a violência física e o abandono (ROCHA, 2009). Desta forma, ele acaba por reproduzir em sua relação com o mundo um padrão de comportamento conhecido como antissocial. O comportamento antissocial pode ser definido como aquele que viola e desrespeita os direitos alheios, ou seja, aquele que a todo custo busca beneficiar-se, desconsiderando os possíveis danos que isso possa causar a outrem.
 
Estudos mostram que a disciplina ineficiente e pouco consistente imposta pelos pais está positivamente associada ao comportamento delituoso. Assim, pode-se afirmar que pais de filhos em conflito com a lei geralmente são aqueles que exercem uma supervisão inconsistente, uma disciplina incoerente e inadequada.
 
Quanto a isso, Hasson e Meleiro (2003) [2] destacam ainda que a exposição a abusos físicos, punições excessivas e maus tratos, pais ausentes, com problemas de saúde ou no relacionamento conjugal são fatores relacionados positivamente com o comportamento delituoso. Desta forma, as práticas educativas parentais ineficientes se constituem fatores de risco ao envolvimento criminal.
 
Para Rocha (2009) [3], além das práticas parentais negativas, outros fatores de risco para o desenvolvimento de problemas de comportamento são: a presença de problemas de comportamento durante a infância, a ocorrência de comportamento antissocial em algum momento da vida e o abandono ou fracasso escolar. Outros pesquisadores destacam que a família monoparental (ou seja, famílias com apenas um cuidador/pai), em especial as gerenciadas por mulheres, também é um fator de risco. Hasson e Meleiro (2003) destacaram que o risco de atividade criminal na adolescência se duplica para homens criados sem figura paterna, sendo que em mulheres criadas sem mãe o risco é quase nulo.
 
Cabe destacar que os adolescentes em conflito com a lei têm déficit significativo nas habilidades sociais e em resolução de problemas. Assim, esses adolescentes tendem a reagir de forma totalmente despreparada diante de conflitos interpessoais. Um exemplo disso é quando diante de uma intimidação, o adolescente busca meios agressivos ou coercitivos que podem aumentar o problema ou colocar em risco a própria vida ou a de outras pessoas, como andar armado para fazer com que as provocações que recebe diminuam. Tal fato já abre precedente para outros comportamentos perigosos, como intimidar outras pessoas para roubar, emprestar a arma para amigos, trocá-la por droga, entre outros.
 
Outro fator de risco para o comportamento criminoso do jovem conforme apontado por pesquisadores é a baixa escolaridade ou o desinteresse pelos estudos. Gallo e Williams (2005) [4] constataram que a maior parte dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa abandonou os estudos muito cedo. Ressalta-se que os estudos se configuram como uma atividade cujos resultados se apresentam a longo prazo, visto que a conclusão dos estudos básicos é algo que se dá após um período significativo de dedicação e empenho. Dessa forma, é uma atividade que requer persistência, autocontrole e muita tolerância à frustração, fatores muitas vezes prejudicados em adolescentes que estão em conflito com a lei.
 
Quando o jovem está desocupado, sem estudar, fica mais propenso a se envolver em atividades não exigentes, como o lazer, o uso de drogas e a convivência com o grupo de colegas. Assim, diante da desmotivação, das necessidades a serem supridas (por exemplo, uso de droga em virtude da abstinência, a necessidade de alimentação ou dinheiro) e de estímulos concorrentes com o estudo (como amizades, passeios, aventuras), o adolescente se vê em um contexto que é possível engajar-se em uma atividade que não requer tanto esforço quanto o que teria diante da escola (como o roubo) e que terá um resultado mais imediato, que é a satisfação de suas necessidades, mesmo que com os estudos haja resultados mais satisfatórios a longo prazo (como um emprego). Assim, com as atividades delituosas, o adolescente encontra um meio de suprir suas necessidades sem precisar de esforço para tal.
 
Daí a necessidade de os pais, desde cedo, educarem os filhos com afeto e limites, frustrando-lhes quando preciso, orientando-os quanto ao mundo e quanto à necessidade dos estudos. Embora na adolescência a voz do grupo de amigos muitas vezes seja mais forte do que a da família, esforços são necessários para que na infância seja feita uma boa relação com os pais, com diálogo e disciplina. É necessário que os pais se empenhem na tarefa de desenvolver nos filhos a empatia para com o outro, além de outros valores como a polidez, a vergonha, a culpa e a honestidade.
 
O desenvolvimento do comportamento moral e das habilidades sociais é algo que também é possível de se obter no contexto clínico. É inegável os muitos benefícios que a psicoterapia pode oferecer aos indivíduos que não se adaptam às normas sociais e que vivem à margem dos grupos, sobretudo as abordagens comportamentais e cognitivo-comportamentais. Por meio dessas modalidades terapêuticas, o adolescente com histórico infracional aprende novos repertórios comportamentais sobre ele mesmo e sobre o mundo, desenvolvendo novas maneiras de se relacionar. Caso seja implementada a psicoterapia enquanto o adolescente estiver cumprindo medida socioeducativa, os resultados podem ser ainda melhores.
 
No entanto, melhores resultados geralmente são aqueles obtidos quanto mais próximos do início dos comportamentos problemáticos, sobretudo quando crianças. Assim, diante da manifestação de comportamentos opositores e desafiadores na infância, procure um psicólogo de sua confiança.


[1] WAISELFISZ, J.J. Mapa da violência 2012. Crianças e adolescentes no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, 2012.
[2] HASSON, M.E.; MELEIRO, A.M.A.S. Reflexões sobre a desestruturação familiar na criminalidade. In: RIGONATTI, S.P. (Coord.). Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica. São Paulo: Vetor Editora, 2003.
[3] ROCHA, G.V. M. Psicoterapia com infratores de alto-risco: trabalhando a mentira, a vergonha e a culpa. In: ROVINSKI, S. L.R.; CRUZ, R. M. Psicologia jurídica. Perspectivas teóricas e processos de intervenção. São Paulo: Vetor Editora, 2009.
[4] GALLO, A.E.; WILLIAMS, L.C.A. Adolescentes em conflito com a lei: uma revisão dos fatores de risco para a conduta infracional. Psicologia: Teoria e Prática, n. 7, v. 1, pp.81-95, 2005.
 
Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC. Atua como psicóloga clínica em Teresina-PI (Clínica Lecy Portela, onde atende criança, adolescente e adulto) e como psicóloga forense (Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão), em Caxias-MA. Atuou como pesquisadora no Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas”) e atualmente está vinculada ao Laboratório de Neurociências Cognitivas da Universidade Estadual do Piauí- UESPI. Contato: juliana@inpaonline.com.br.

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