“Você faz isso e eu aquilo”: a divisão de tarefas entre o casal com filhos

As mulheres, quando se tornam mães, acham que seus problemas girarão em torno apenas das dificuldades próprias da maternidade. Mero engano: algumas vezes, certos comportamentos dos maridos nesse momento podem trazer consequências nefastas à convivência marital. Um exemplo é ausência ou falha da divisão de tarefas entre o casal, que além de sobrecarregar a rotina de um deles, pode repercutir negativamente no clima conjugal.
 
Diante da falta de atitude dos seus maridos nos cuidados com os filhos, há várias questões que inquietam as mulheres. Uma delas é sobre os fatores socioculturais que perpassam questões de gênero e que repercutem nos repertórios comportamentais de pais e mães. Sobre isso, pode-se dizer que, de fato, alguns comportamentos típicos da maternidade possuem origens filogenéticas. Isso quer dizer que zelar, cuidar, amar, amamentar e higienizar, atividades tipicamente executadas por mulheres são também classe de comportamentos verificada em fêmeas de outras espécies.

A despeito disso, historicamente, observa-se que o papel da mulher estava relacionado às tarefas domésticas e a procriação. Era dela a organização do lar, os cuidados de esposa (a saber: zelo pela família, busca da procriação e comportamento submisso ao cônjuge) e a educação dos filhos, enquanto que o papel do homem era, essencialmente, prover o sustento da família. Com a industrialização, começou a inserção da mulher no mercado de trabalho, de modo que gradativamente ela vem conquistando cada vez mais espaço na sociedade. Sendo assim, os cuidados maternos também são aprendidos, visto que ao longo do tempo a mulher se submetia às tarefas do lar e à maternidade por observarem modelos familiares que exibiam tais padrões, também se esquivando de maior atividade na sociedade para evitarem críticas sociais e conflitos conjugais.




Por sua vez, culturalmente, o pai apresenta comportamentos voltados para a segurança e o provimento do sustento da família. Além disso, comumente a ele é atribuído o exercício da autoridade, como sendo aquele que delimita a ordem da casa e os limites comportamentais da prole. No entanto, se esse papel for exercido com rigidez excessiva, é possível que os pais pouco participem da rotina dos filhos, não se arriscando a se comportar mediante papeis historicamente exercidos pelas mulheres, como conferir os cuidados básicos da criança.

Além disso, algo que comumente acontece é uma associação entre o pai e a autoridade que, se excessiva, pode distanciá-lo dos filhos por sobrepor o estabelecimento de limites ao afeto. Assim, ao mesmo tempo em que há esse distanciamento, ocorre a aproximação do filho e um desenvolvimento maior do apego àquela pessoa que confere mais afeto, por ter uma convivência mais satisfatória e próxima.

Nesse contexto, é muito importante o comportamento do cônjuge que se encontra sobrecarregado. Caso a mãe detenha a maior parte dos cuidados referentes à rotina infantil e não insista na divisão de tarefas com o companheiro, cria-se um ambiente propício ao surgimento de um pai ausente e distante do filho. Portanto, orienta-se que os casais dividam as tarefas relacionadas aos cuidados infantis, uma vez que o excesso de atividades favorece comportamentos relacionados ao estresse (como irritação, desgaste físico e cognitivo, entre outros), que podem interferir negativamente tanto no manejo dos filhos, quanto no clima conjugal.

Um exercício interessante para ser feito antes do casamento é a análise do histórico familiar do cônjuge: o modo como foi criado pelos pais, como se comportava naquele meio e como se relaciona com crianças. É importante que o (a) parceiro (a) observe o modo como o cônjuge foi criado, pois isso já sinaliza papeis relacionados ao gênero, além de práticas e estilos parentais que possam ser modelos. Se na família do marido há a concepção de que a mulher deve concentrar todos os cuidados da criança (trocar fralda, amamentar, pôr para dormir, etc.), então a esposa já tem uma ideia de que, muito provavelmente, seu parceiro só fará tarefas se solicitado. É importante que a divisão de tarefas entre o casal seja combinada previamente (durante a gestação, por exemplo), ou solicitada nos momentos oportunos.

É importante que seja construída uma rotina de cuidados. Caso a mãe aja de forma assertiva, indicando a necessidade de que o marido execute algumas tarefas e, principalmente, reconhecendo quando este se engajar em alguma tarefa, é possível que haja mudança de comportamento. Alguns exemplos desse reconhecimento social seria um simples “obrigado (a)”, carinhos físicos ou verbais, além de verbalizações que descrevam o comportamento do cônjuge e as consequências positivas vindas desse fato. Por exemplo, “como você secou as louças, agora sobrou mais tempo para namorar!” ou “que bom que brincou com nosso filho, veja o sorriso dele agora”. Indiretas do tipo “ninguém me ajuda mesmo”, assim como expressões faciais que indiquem raiva ou chateação (ou qualquer outro sinal não verbal que indique sobrecarga) costuma desgastar a relação e não contribuem muito para a solução do problema, portanto, são contraindicadas.

Dependendo da rotina do casal e da qualidade do clima conjugal, algumas medidas simples podem ajudar na divisão de tarefas. Se é a mãe quem faz as tarefas domésticas, então o pai pode supervisionar a criança enquanto ela organiza a casa, o que inclui fazer as demais tarefas inerentes ao cuidado com a criança nesse intervalo de tempo (por exemplo, trocar a fralda, brincar, dar banho). Ambos também podem se revezar nos momentos de colocar a criança para dormir ou interromper o sono na madrugada para dar a mamadeira. Podem também eleger um parceiro responsável pelo acompanhamento das tarefas escolares (ou fazerem juntos), de acordo com o conhecimento ou o grau de afinidade com as disciplinas.

Embora haja todo um contexto histórico, social e cultural em torno dos comportamentos relacionados à paternidade, é possível que haja a aprendizagem de novos papeis e atividades. A partir do momento em que o pai fica por perto, acompanhando as tarefas da mãe, pode aprender por observação (sobretudo se estiver motivado). Se a mãe o mantiver por perto e passar as instruções (por exemplo, na troca de fralda descrever o passo a passo), inclusive criando oportunidades para que o parceiro pratique as novas tarefas, a aprendizagem se torna ainda mais efetiva. Caso o pai tenha dificuldades na execução das mesmas, é importante que a mãe não aja de forma intolerante, agressiva ou irônica. Ao contrário, deve ter paciência e incentivá-lo a fazer novamente, corrigindo a falha. E o mais importante, diante de uma tarefa concluída de forma plena, deve-se reconhecer o esforço, conforme anteriormente mencionado.



É importante lembrar que, quando o filho é bebê, os cuidados são mais próximos à criança. Quanto mais o pai ou a mãe se fizerem presentes no cotidiano do filho, melhores serão os laços afetivos e o apego da criança para com eles. Casais que se dividem nas tarefas, participando ativamente da rotina familiar tendem a se tornar mais harmoniosos, melhorando ainda o clima conjugal. Assim, em meio a tantos benefícios, que tal quebrar os preconceitos socioculturais e experimentar outras formas de agir em casa?
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Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada -  Inpa Telefone - (61) 3242-1153

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