E quando conectar me desliga do mundo?


A internet confere a seus usuários um mundo de possibilidades. Embora na sua criação tenha sido usada somente por adultos em transações de “gente grande”, é cada vez mais frequente o uso por crianças e adolescentes. Diferente das gerações anteriores, os jovens se trancam no quarto não mais para se isolar do mundo, mas para se conectarem a ele. Uma vez que já nasceram em uma cultura que valoriza a informação e a tecnologia, muitas vezes é difícil discernirem o que seriam excessos nesse âmbito. O que dizer também dos adultos, que podem procrastinar tarefas em função do envolvimento com a rede? O texto de hoje tem como objetivo apresentar discussões e alternativas para favorecer o uso adequado da internet em qualquer faixa etária.
Atualmente, em algumas famílias, a exposição à internet começa antes mesmo do nascimento. Mamães e papais noticiam ao mundo a vinda de um filho, fazendo com que os contatos das redes sociais e seguidores de blogs e afins acompanhem a gestação por meio de descrições dos acontecimentos. Quando na maternidade, eles realizam check-in indicando onde podem ser encontrados e divulgam fotos do rosto do bebê. Em casa, ao longo do desenvolvimento, as crianças tem contato com babá eletrônica e brinquedos cada vez mais tecnológicos, manuseiam com destreza equipamentos como celulares, smartphones, tablets, notebooks, entre outros. E assim, a intimidade com a tecnologia cresce à proporção do seu desenvolvimento.

É inevitável a comparação com gerações anteriores. Há quem diga que hoje o brincar é diferente porque agora as crianças tem contato cada vez mais precoce com a tecnologia e a rede. Atrevo-me a dizer que, embora os adultos usem desse discurso, eles também sentem a dificuldade em se desvincularem da internet, sobretudo no que tange às redes sociais. No fim das contas, adultos e crianças brincam de se relacionarem virtualmente, aproveitando prazeres e dissabores que este tipo peculiar de contato social proporciona.

Excluir crianças e adolescentes dessa realidade é prejudicial, pois seria aliená-los do mundo em que vivem. Ao mesmo tempo em que ser adulto e abster-se do uso da internet também seria ruim por limitar as possibilidades de pesquisas em trabalhos, entre outros aspectos. No entanto, cabe ressaltar a necessidade do uso moderado para que não favoreça prejuízos na socialização e nas atividades acadêmicas e laborais, pois a rede possibilita o contato com tudo o que é satisfatório para o sujeito, o que propicia uma espécie de ciclo vicioso.




Por exemplo, uma simples busca confere muitas possibilidades, pois o resultado de uma delas pode levar a outras pesquisas diante da insatisfação ou da curiosidade e necessidade de outras informações. Em cada página da internet, existem diversos estímulos que acabam atraindo o leitor para outras informações (testes, jogos, propagandas, notícias, entre outros), mesmo que inicialmente ele esteja determinado a outras buscas. Uma atualização de status nas redes sociais já é um contexto para diálogos com os outros amigos conectados, que estão lá reforçando aquele contato (curtindo, compartilhando ou retuitando). Caso não ajam assim, o usuário busca esse reconhecimento variando temas de postagens, conforme a repercussão mais aceita. Nesse movimento, no fim das contas o usuário nem percebe quanto tempo se dedicou àquela tarefa. Não raro, ele também se perde dentro dos próprios objetivos, questionando-se sobre o que era para ele fazer ou como foi parar naquela atividade.

Assim, quando se trata de uso excessivo da internet são necessárias algumas considerações. Para categorizar como excesso cabe avaliar não só a frequência e a intensidade, mas também o contexto em que ocorre e a função desse comportamento. O critério para que seja considerado um “problema” ou transtorno comportamental é o prejuízo em algum âmbito da vida do sujeito ou para aqueles com quem convive [1].

Diante de atividades prazerosas, muitas vezes, fica difícil perceber o limiar dos excessos. Isso geralmente é sinalizado pelos outros (quando alguém reclama do tempo despendido no mundo virtual, da falta de atenção e do sedentarismo do usuário, por exemplo) ou sentido/ percebido pelo próprio sujeito (quando sente fome pela passagem do horário da refeição, quando há procrastinação de tarefas, quando o desempenho acadêmico e/ou a produtividade declina ou mesmo quando cai a qualidade dos relacionamentos afetivos e sexuais).

Avaliando a função dos excessos relacionados à rede virtual, é possível que pessoas que tenham escassez de atividades prazerosas na vida real ou excessos de vivências aversivas rotineiras encontrem na internet uma válvula de escape para esquivar-se do contato com problemas cotidianos ou mesmo para sentirem aquele prazer raro na vida real. São essas as situações que mais preocupam no que se refere aos excessos ou ao mau uso da rede. Cabe lembrar que no desconectar da máquina vem a realidade e, diante disso, o desamparo quanto ao que fazer para enfrentar satisfatoriamente tais condições acabam – muitas vezes – propiciando o retorno ao mundo virtual.

Desse modo, as habilidades de enfrentamento e de resolução de problemas, assim como outras habilidades sociais (como a de fazer amizades, que implica em haver contato visual, fazer e responder perguntas, manter um diálogo, expressar-se de modo a deter a atenção e o interesse do ouvinte) podem ficar restritas no repertório comportamental diante do uso excessivo da internet. Como a maneira de se expressar na rede é diferente do “tête-à-tête”, algumas pessoas podem sentir dificuldades em fazê-lo nas interações físicas. O contato virtual excessivo pode fazê-las titubear diante dos sinais emitidos através do corpo (expressões faciais e corporais), que diferem dos emoticons utilizados nos bate-papos e da linguagem própria da rede. Ao mesmo tempo em que a realidade de ter mais amigos no mundo virtual do que no cotidiano acaba sendo atrativa por demais, acomodando o sujeito na tarefa de encará-los fisicamente.

Diante das dificuldades no estabelecimento de limites quanto ao uso da internet, cabe destacar o comportamento dos outros familiares ao utilizá-la. Partindo do pressuposto de que há aprendizagem por imitação e que os pais são os grandes modelos dos filhos, a maneira como os pais fazem uso da tecnologia influenciará significativamente o modo de os jovens interagirem com ela. Assim, talvez a resistência do filho em lidar com o excesso de horas na internet seja agravada pelo fato de o jovem observar que os outros familiares também ficam plugados na rede em detrimento de relações físicas no lar. Quem sabe também a dificuldade de os pais lidarem com o hábito de o filho visualizar pornografia na internet não tem contribuição da falta de diálogo sobre sexualidade em casa?

Para tanto, em caso de crianças e adolescentes, cabem as orientações dos adultos sobre como aproveitar a internet da melhor forma possível, manejando contextos que também favoreçam a vida do lado de cá do monitor. Assim, permanecer na rede é mais interessante quando as tarefas escolares estão concluídas, quando há tempo livre, para pesquisar artigos ou consultar informações da atualidade, para relacionar-se com outras pessoas, e com qualquer finalidade, desde que orientado e supervisionado. E que, principalmente, não substitua o brincar. Delimitar os limites (quanto tempo pode deleitar-se na rede, o que pode fazer nela e quando utilizá-la), assim como discutir em família as experiências virtuais também são importantes. Assim como os pais buscam conhecer os amigos dos filhos, cabe também saber quem são os amigos virtuais, os seguidores e assinantes, orientando condutas de modo a evitar exposição danosa ou violência (como o cyberbullying).


O que dizer então dos adultos? É comum observar memes e postagens criticando o vício na internet, o que denota que, de alguma forma, quem o faz tem prejuízos pelo uso compulsivo da rede. Antes de tudo, é importante verificar a rotina do usuário: em quais momentos fica conectado, por quanto tempo, o que faz costumeiramente, como se relaciona com as pessoas, se há procrastinação de tarefas ou outros prejuízos (acadêmicos ou ocupacionais), por quais tecnologias costuma se conectar, entre outros. Uma medida simples para se ter uma ideia da frequência desse uso é riscar traços curtos em um papel cada vez que abrir uma página da internet ao longo de um período de tempo. Caso a proporção frequência/ tempo seja alta, ou verificando que possui prejuízos em algum âmbito, é hora de reavaliar hábitos e implementar algumas mudanças. Apresentamos aqui algumas sugestões simples.

Este vídeo é uma cena retirada do filme The Future, de Miranda July (2011). Nele, a personagem do filme, desesperada para poder produzir uma dança, mas sofrendo os efeitos concorrentes de outros estímulos (revistas, computador, acessórios de beleza), resolve tornar esses objetos inacessíveis de uma forma bem inusitada: Miranda July’s “A Handy Tip for the Easily Distracted”

No entanto, esta estratégia pode ser reformulada para uma menos drástica, a princípio. Como fora dito anteriormente sobre hábitos de estudo [2], é necessário organizar a rotina e também o local de estudo/ trabalho, eliminando os estímulos que concorrem com a realização da tarefa por serem mais atrativos e mais prazerosos a curto prazo. Eliminar estímulos concorrentes é uma boa solução, assim como organizar as tarefas e eleger prioridades.

Então, se for necessário trabalhar ou estudar no computador, se a pessoa deter-se à tarefa inicialmente, por um período de tempo de 1 hora, e só depois desse intervalo for acessar a internet por um período menor (de 15 minutos, por exemplo), pode favorecer o engajamento na tarefa que é menos provável (o trabalho). Aqui, como se percebe, é necessário um autocontrole para que realmente haja engajamento no trabalho, pois se houver pensamentos obsessivos junto com uma vontade incontrolável de utilizar a internet, o desempenho na tarefa pode ser prejudicado.

Se o acesso à internet não for restrito apenas ao computador, cabe eliminar outros acessórios que podem facilitar a fuga. Por exemplo, não adianta desligar o modem ou o roteador para melhor se deter ao trabalho se outros equipamentos eletrônicos que acessam a rede (como celulares e tablets) estão ao alcance das mãos. Ao passo disso, extinguir ou restringir possibilidades de evasão também são medidas válidas: se for imprescindível abrir e-mails ou redes sociais durante uma tarefa importante, uma medida paliativa é desativar o bate-papo, pois diminuiria as chances de engajar-se em atividades distratoras. Outra medida válida é definir contas de e-mail para cada grupo ou finalidade. Por exemplo, ter um e-mail profissional, outro pessoal e outro para grupos de discussões de internet direcionam o usuário à sua tarefa, diminuindo os riscos de distração com assuntos alheios ao objetivo inicial.

Para o controle do impulso, a medida de riscar um pedaço de papel (anteriormente descrita) pode, com o passar do tempo, ser suficiente para o usuário perceber a fuga e logo retornar ao trabalho, interrompendo ou encurtando o ciclo.


Outra avaliação a ser feita é como está o seu relacionamento virtual e físico com as pessoas. Fazer amizades pela internet não é apenas ter um número bom de contatos, seguidores ou um mosaico de fotos de amigos. Não é apenas se expor e ver outros no mesmo movimento: é saber fazer uso dessas informações. As mesmas regras de convivência da vida real são válidas em relacionamentos virtuais: respeito, cordialidade, fazer revelações espontâneas, ser empático, iniciar e encerrar adequadamente as conversações, elogiar, entre outras. E mais importante: trazê-los para o lado de cá do monitor, estabelecendo contato quando encontrá-los em ambientes sociais ou estendendo o contato físico.

O uso moderado e habilidoso da internet traz ganhos em qualquer faixa etária: facilita a aprendizagem, complementa os estudos, favorece oportunidades de emprego e derruba barreiras físicas na comunicação e na qualificação em qualquer parte do mundo. Para consegui-los, cabe manejar estratégias, sobretudo no que tange ao autocontrole. Aqui foram expostas algumas dicas simples, sem a intenção de esgotar as possibilidades ou de substituir a avaliação e intervenções clínicas. No mais, cabe a orientação de sempre: procure um profissional de sua confiança para tornar seu comportamento na internet mais favorável ao seu cotidiano.
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[1] A título de curiosidade, na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM da Associação Americana de Psiquiatria – APA incluirá diretrizes diagnósticas para transtorno de dependência à internet. A versão vigente, que data de 1994, ainda não havia incluído essa categoria.


[2] Confira o texto “Como desenvolver hábitos de estudo?”
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Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada - InPA
Telefone - (61) 3242-1153

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