Novas visões sobre o autismo

Da psicologia à genética, especialistas de diversas áreas apresentam, em evento realizado em São Paulo, novidades sobre o diagnóstico e o tratamento desse distúrbio.

Os irmãos Chalie e Raymond - que é autista - em cena do filme "Rain Man", de 1988
A primeira coisa a se falar sobre autismo é que, definitivamente, não se trata de um distúrbio raro. Os Distúrbios de Espectro Autista (DEA) atingem uma média de uma a cada 110 crianças nascidas nos Estados Unidos, segundo dados do Centro para Controle de Doenças e Prevenção (CDC, na sigla em inglês). No Brasil, um estudo epidemiológico realizado em uma cidade do interior paulista apontou um caso de autismo para cada 368 crianças de 7 a 12 anos.
Fala-se em ‘espectro autista’, pois hoje essa denominação engloba os vários tipos desse distúrbio comportamental. O diagnóstico não é simples, embora existam características comuns às pessoas com autismo, como a dificuldade em estabelecer contato visual com pessoas e objetos e a dificuldade de fala, além de comportamento autolesivo e/ou agressivo em graus distintos. Em alguns casos, pode haver também o comprometimento das habilidades motoras.

Durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Autismo (ESPCA Autismo), realizada pela Universidade Federal de São Carlos no início do ano, os principais pesquisadores da área apresentaram o que há de mais recente em diagnóstico e tratamento de distúrbios autistas, com algumas boas novidades para pais e professores.

Vertentes modernas das pesquisas em DEA, como as realizadas pelo psicólogo Brian Iwata, especialista em análise do comportamento da Universidade da Flórida (EUA), apontam que modos de ação autolesivos e agressivos são completamente tratáveis. Iwata identificou que esses comportamentos são produzidos ou agravados porque têm funções específicas. Um chute, por exemplo, pode ser a forma que a pessoa com autismo encontrou para dizer que está com fome, já que tem a fala prejudicada. Um dedo repetidamente levado ao olho pode significar um estímulo agradável.
O primeiro passo para um tratamento eficaz
são pais e especialistas buscarem entender
o que cada comportamento significa

Por isso, o primeiro passo para um tratamento eficaz são pais e especialistas buscarem entender o que cada comportamento significa. Assim, será possível substituir comportamentos lesivos por uma linguagem não-verbal saudável.


Diagnóstico e tratamento precoces
Os especialistas ressaltam a importância do diagnóstico e tratamento precoces do autismo. Mas muitos pais deixam para tratar os filhos em idade mais avançada, quando consideram que eles já estão aptos a receber os estímulos educacionais, como ocorre com as crianças sem o distúrbio.

O pesquisador brasileiro Caio Miguel, da Universidade Estadual da Califórnia (EUA), explica que toda pessoa é sensível à educação. Contudo, os que apresentam algum espectro do autismo não aprendem de forma incidental – vendo e repetindo comportamentos usuais e palavras simples sem serem formalmente ensinados –, como acontece normalmente. “A criança com distúrbio autista precisa ser estimulada e o aprendizado vem via repetição”, ensina.

A psicóloga Cintia Guillhardi, pesquisadora do Grupo Gradual, está desenvolvendo um novo método para auxiliar na detecção de riscos de autismo em crianças de até um ano. A metodologia envolve diretamente os pais, que são orientados a realizar tarefas mensais com a criança. “Essas tarefas incluem a gravação de vídeos”, diz. E completa: “Se houver a percepção de algum sinal autístico, rapidamente os pais já são orientados a maximizar o desenvolvimento do bebê com brincadeiras direcionadas”.

Apesar da existência de métodos de diagnóstico e tratamento precoces, o coordenador da ESPCA Autismo, Celso Goyos, chama a atenção para a dificuldade de encontrar no Brasil profissionais atualizados sobre os novos tratamentos. “A evolução no tratamento do distúrbio autista ao longo dos anos é enorme e sabemos que muitos profissionais estão repetindo práticas que se aplicavam há vinte anos”, ressalta.


O professor Celso Goyos, da Uneversidade Federal de São Carlos, encerra as atividades da
Escola de Ciências Avançada em Autismo, ao lado dos co-organizadores do evento
Caio Miguel, da Universidade Estadual da California, e
Thomas Higbbe, da Universidade de Utah. (foto: MArcos Marin)

Para Goyos, o Brasil ainda tem muito a desenvolver nas pesquisas sobre DEA e carece de políticas públicas voltadas para o problema. “Para contribuir com a mudança dessa realidade, alguns acordos de cooperação internacional entre universidades foram sendo desenhados durante a Escola de Ciência Avançada, com ações previstas já para este ano de 2012”, conta. “A mobilização dos pais também é fundamental nessa busca por políticas públicas”, completa Caio Miguel.

Pelos caminhos da genética

Os cientistas também têm procurado na genética respostas que auxiliem na identificação e no tratamento dos distúrbios autistas.

O brasileiro Alysson Muotri, que realiza pesquisas com neurônios autistas na Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), adiantou os resultados de um experimento bem-sucedido em que conseguiu reverter para o estado normal neurônios derivados de crianças com autismo clássico. A pesquisa, que deve ser publicada até o final de 2012, cria esperança em relação à produção de remédios modernos que impeçam o desenvolvimento ou mesmo consigam reverter o distúrbio.

Outros dois grupos de pesquisa no mundo também já se dedicam ao desenvolvimento de fármacos para o autismo e um outro deve ser formado na Universidade de São Paulo (USP). A base para a criação dessas drogas já é conhecida, mas ainda se buscam substâncias que sejam eficazes e apresentem menos efeitos colaterais. Apesar dos avanços nessa área, os pesquisadores ressaltam que, mesmo obtendo bons resultados na produção do medicamento, ainda levará anos até que ele esteja disponível nas prateleiras.


Fonte: Ciência Hoje

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