“… Imagine chegar em um país onde
você não entende a língua e não conhece os costumes – e ninguém entende o que
você quer ou precisa. Você, na tentativa de se organizar e entender esse
ambiente, provavelmente apresentará comportamentos que os nativos acharão
estranhos…” (citação retirada do Manual de Treinamento ABA – Help us learn –
Ajude-nos a aprender.)
Esta frase pode ser utilizada para
compreender a maneira de uma criança portadora do Transtorno de Espectro
Autista pensar, sentir e se comportar. Muitos dizem realmente que o autista
constrói para sí uma realidade paralela, alheia a nossa, e por viver “lá
dentro” não consegue se comunicar com os outros que vivem no mundo “real”. Será
verdade? Vamos resumir aqui um pouco da história do diagnóstico de autismo a
partir do texto Abordagem Comportamental do Autismo, de autoria de Alexandre
Costa e Silva, diretor de relações públicas da Associação Brasileira de
Autismo.
Breve Histórico.
A palavra “autismo” deriva do grego
“autos”, que significa “voltar-se para sí mesmo”. A primeira pessoa a
utilizá-la foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler para se referir a um dos
critérios adotados em sua época para a realização de um diagnóstico de
Esquizofrenia. Estes critérios, os quais ficaram conhecidos como “os quatro ‘A’s
de Bleuler, são: alucinações, afeto desorganizado, incongruência e autismo. A
palavra referia-se a tendência do esquizofrênico de “ensimesmar-se”,
tornando-se alheio ao mundo social – fechando-se em seu mundo, como até hoje se
acredita sobre o comportamento autista.
Em 1943 o psicólogo norte americano
Leo Kanner estudou com mais atenção 11 pacientes com diagnóstico de
esquizofrenia. Observou neles, o autismo como característica mais marcante;
neste momento, teve origem a expressão “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo”
para se referir a estas crianças. O psicólogo chegou a dizer que as crianças
autistas já nasciam assim, dado o fato de que o aparecimento da síndrome era
muito precoce. A medida em que foi tendo contato com os pais destas crianças ele
foi mudando de opinião. Começou a observar que os pais destas crianças
estabeleciam um contato afetivo muito frio com elas, desenvolvendo então o
termo “mãe geladeira” para referir-se as mães de autistas, que com seu jeito
frio e distante de se relacionar com os filhos promoveu neles uma hostilidade
inconsciente a qual seria direcionada para situações de demanda social.
As hipóteses de Kanner tiveram forte
influência no referencial psicanalítico da síndrome que pressupunha uma causa
emocional ou psicológica para o fenômeno, a qual teve como seus principais
precursores os psicanalistas Bruno Bettelheim e Francis Tustin.
Bettelheim, em sua terapêutica,
incitava as crianças a baterem, xingarem e morderem em uma estátua que, pelo
menos para ele, simbolizava a mãe delas. Tustin, por outro lado, acreditava em
uma fase autística do desenvolvimento normal, na qual a criança ainda não tinha
aprendido comportamentos sociais e era chamada por ela de fase do afeto
materno, funcionando como uma ponte entre este estado e a vida social. Se a mãe
fosse fria e suprimisse este afeto, a criança não conseguiria atravessar esta
ponte e entrar na vida social normal, ficando presa na fase autística do
desenvolvimento. Em 1960, no entanto, a psicanalista publica um artigo no qual
desfaz a idéia da fase autística do desenvolvimento.
Naquela época a busca pelo tratamento
psicanalítico era muito intensa. Muitas vezes as crianças passavam por sessões
diárias, inclusive no domingo. O preço pago era muito alto. Muitas famílias
vendiam seus bens na esperança de que aquele método as ajudasse a corrigir o
erro que haviam cometido na criação de seus filhos.
Com o advento da década do cérebro,
no entanto, estas idéias começaram a ser deixadas de lado – além de não estarem
satisfazendo as expectativas dos pais. A partir de 1980 foram surgindo novas
tecnologias de estudo, as quais permitiam investigação mais minuciosa do
funcionamento do cérebro da pessoa com exames como tomografia por emissão de
pósitrons ou ressonância magnética. Doenças que anteriormente eram estudadas
apenas a partir de uma perspectiva psicodinâmica passaram a ser estudadas de
maneiras mais cuidadosas, deixando de lado o cogito cartesiano.
Já na década de 60 o psicólogo Ivar
Lovaas e seus métodos analítico comportamentais começaram a ganhar espaço no
tratamento da síndrome. Seus resultados apresentavam-se de maneira mais efetiva
do que as tradicionais terapias psicodinâmicas. E já naquela época as
psicologias comportamentais sofriam forte preconceito por parte dos psicólogos
de outras abordagens. Durante as décadas de 60 e 70 os psicólogos
comportamentais eram consultados quase que apenas depois que todas as outras
possibilidades haviam se esgotado e o comportamento do autista tornava-se
insuportável para os pais e muito danoso para a criança.
E como o autismo é visto hoje?
É característico do autista
apresentar alguns déficits e excessos comportamentais em diversas áreas,
conforme melhor explicado adiante. O grau de comprometimento destes déficits
podem variar de uma criança para outra e na mesma criança ao longo do tempo.
Por este motivo, a expressão Transtorno do Espectro Autista tem sido mais
utilizada em detrimento da palavra Autista.
Manuais diagnósticos como o DSM – IV
TR e o CID – 10 caracterizam o autismo como um transtorno pervasivo do
desenvolvimento no qual existe comprometimento severo em áreas como: diminuição
do contato ocular; dificuldade de mostrar, pegar ou usar objetos; padrões
repetitivos e esteriotipados de comportamento; agitação ou torção das mãos ou
dedos, movimentos corporais complexos; atraso ou ausência total da fala. A
National Society for autistic children o encara como um distúrbio do
desenvolvimento que se manifesta de forma incapacitante por toda a vida,
aparecendo tipicamente nos três primeiros anos de vida. Define como critérios
para diagnóstico do autismo o precoce comprometimento na esfera social e de
comunicação.
Este Transtorno Invasivo do
Desenvolvimento acomete apenas cinco entre cada dez mil nascidos, ocorre em
famílias de todas as configurações raciais, étnicas ou sociais. Gauderer (1993)
afirma que maioria das crianças com diagnóstico do Transtorno de Espectro
Autista tem fisionomia normal, e sua expressão séria pode passar a idéia,
geralmente errada, de inteligência extremada. Apesar da estrutura facial
normal, no entanto, estão quase sempre ausentes a expressividade das emoções e
receptividade presentes na criança com desenvolvimento típico.
Nem sempre o autismo está associado a
deficiência mental. Às vezes ele ocorre em crianças com inteligência
classificada como normal. O chamado “déficit intelectual” é mais intenso nas
habilidades verbais e menos evidente em habilidades viso-espaciais. É muito
comum, no entanto, crianças com este diagnóstico apresentarem desempenho além
do normal em tarefas que exigem apenas atividades mecânicas ou memorização, ao
contrário das tarefas nas quais é exigido algum tipo de abstração,
conceituação, sequenciação ou sentido.
Incidência
Existem várias definições e critérios
diagnósticos diferentes do que vem a ser o autismo. Em decorrência disto, é
difícil traçar um nível de incidência confiável, pois conforme variam as
definições e critérios diagnósticos, variam também a quantidade de pessoas
diagnosticadas. Os índices mais aceitos e divulgados, no entanto, trazem uma
média de 5 a 15 casos em cada 10 000 pessoas. Pesquisas epidemiológicas
utilizando o DSM – III-R identificam o dobro deste numero. Quando os criterios
medicos são deixados de lado em detrimento dos educacionais, a média aumenta
para 21 casos em cada 10 000 pessoas. Quando a síndrome é mais rigorosamente
classificada e diagnosticada, entretanto, encontra-se uma prevalência de 2
casos para cada 10 000 pessoas.
Independentemente de qual critério
diagnostico seja adotado, sabe-se que pessoas do sexo masculino são em geral
mais atingidas. De acordo com o DSM – IV, ele ocorre três ou quatro vezes mais
em meninos do que em meninas. Estas, no entanto, tendem a apresentar limitacões
mais severas.
Algumas hipóteses etiológicas
Embora diversos tipos de alterações
neurológicas e/ou genéticas tenham sido descritas como prováveis etiologias do
autismo, não há nada comprovado ainda. O transtorno pode estar diretamente
associado a problemas cromossômicos, genéticos, metabólicos, e até mesmo
doenças transmitidas ou adquiridas durante a gestação, durante e após o parto.
A dificuldade em elaborar um diagnóstico de autismo é grande, quando se pensa
que diversas síndromes possuem sintomatologia semelhante.
Uma quantidade de 75 a 80% das
crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista apresenta algum tipo
de retardo mental, o qual pode estar associado a inúmeros fatores biológicos.
Alguns autores, como Gauderer afirmam
que algumas alterações encefálicas em fases críticas do desenvolvimento
embrionário podem dar origem a algum tipo de transtorno que se enquadre no
diagnóstico de transtorno do espectro autista, mas os exames clínicos que vem
sendo realizados não demonstram correlação significativo entre estas alterações
e o transtorno.
Este texto trata-se de um resumo
discutido do artigo Abordagem Comportamental do Autismo, de autoria
de Alexandre Costa e Silva.
Por: Neto - Psicólogo Clínico e
Empresarial, especializando em Terapia Comportamental pelo Instituto de Terapia
por Contingências de Reforçamento
Fonte: Psicologia e Ciencia
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